São Paulo, 10 de março de 1867.
Estamos em plena quaresma.
A população paulista azafama-se a preparar-se para a
lavagem geral das consciências nas águas lustrais do confessionário
e do jejum.
A cambuquira* e o bacalhau afidalgam-se no mercado.
A carne, mísera condenada pelos santos concílios, fica
reduzida aos pouquíssimos dentes acatólicos da população,
e desce quase a zero na pauta dos preços.
O que não sobe nem desce na escala dos fatos normais
é a vilania, a usura, o egoísmo, a estatística dos crimes e o
montão de fatos vergonhosos, perversos, ruins e feios que precedem
todas as contrições oficiais do confessionário, e que
depois delas continuam com imperturbável regularidade.
É o caso de desejar-se mais obras e menos palavras.
E se não, de que é que serve o jejum, as macerações,
o arrependimento, a contrição e quejandas religiosidades?
O que é a religião sem o aperfeiçoamento moral da
consciência?
O que vale a perturbação das funções gastronômicas do
estômago sem consciência livre, ilustrada, honesta e virtuosa?
Seja como for, o fato é que a quaresma toma as rédeas do
governo social, e tudo entristece, e tudo esfria com o exercício
de seus místicos preceitos de silêncio e meditação.
De que é que vale a meditação por ofício, a meditação
hipócrita e obrigada, que consiste unicamente na aparência?
Pois o que é que constitui a virtude? É a forma ou é o
fundo? É a intenção do ato, ou sua feição ostensiva?
Neste sentido, aconselhamos aos bons leitores que comutem
sem o menor escrúpulo os jejuns, as confissões e rezas
em boas e santas ações, em esmolas aos pobres.
* Iguaria constituída de brotos de abóbora guisados, geralmente servida
como acompanhamento de assados.
Pelo seu tema e desenvolvimento argumentativo, o texto
pode ser classificado como