Água-Mãe
Jogava com toda a alma, não podia compreender como
um jogador se encostava, não se entusiasmava com a bola
nos pés. Atirava-se, não temia a violência e com a sua agilidade
espantosa, fugia das entradas, dos pontapés. Quando
aquele back1, num jogo de subúrbio, atirou-se contra ele,
recuou para derrubá-lo, e com tamanha sorte que o bruto
se estendeu no chão, como um fardo. E foi assim crescendo
a sua fama. Aos poucos se foi adaptando ao novo Joca que
se formara nos campos do Rio. Dormia no clube, mas a sua
vida era cada vez mais agitada. Onde quer que estivesse, era
reconhecido e aplaudido. Os garçons não queriam cobrar
as despesas que ele fazia e até mesmo nos ônibus, quando ia
descer, o motorista lhe dizia sempre:
— Joca, você aqui não paga.
Quando entrava no cinema era reconhecido. Vinham
logo meninos para perto dele. Sabia que agradava muito. No
clube tinha amigos. Havia porém o antigo center-forward2
que se sentiu roubado com a sua chegada. Não tinha razão.
Ele fora chamado. Não se oferecera. E o homem se enfureceu
com Joca. Era um jogador de fama, que fora grande
nos campos da Europa e por isso pouco ligava aos que não
tinham o seu cartaz. A entrada de Joca, o sucesso rápido, a
maravilha de agilidade e de oportunismo, que caracterizava
o jogo do novato, irritava-o até ao ódio. No dia em que tivera
que ceder a posição, a um menino do Cabo Frio, fora
para ele como se tivesse perdido as duas pernas. Viram-no
chorando, e por isso concentrou em Joca toda a sua raiva.
No entanto, Joca sempre o procurava. Tinha sido a sua
admiração, o seu herói.
1 Beque, ou seja, o zagueiro de hoje.
2 Centroavante.
(Água-Mãe, 1974.)
Com a expressão fugia das entradas, no primeiro parágrafo,
o narrador sugere que o jogador Joca manifestava em campo: